A Porta que Nunca Devia Ser Aberta. O que acontece quando a curiosidade vence o bom senso?
Todos na vila conheciam a história da porta. Ela ficava no porão da antiga casa dos Alencar, uma construção esquecida, de janelas empoeiradas e telhado torto, onde ninguém mais morava há décadas. Aquela porta, de madeira pesada e dobradiças enferrujadas, estava sempre trancada. Sobre ela, pregado com pregos gastos, uma placa simples, mas inquietante: “Não abra. Nunca.”
Por muitos anos, os moradores passaram pela casa com passos apressados, desviando o olhar. Era como se o aviso fosse mais que uma advertência: era um pacto silencioso entre os vivos e o que quer que houvesse atrás daquela porta. Ninguém sabia ao certo o que havia lá dentro. Havia apenas relatos vagos, misturas de superstição e verdade, como a história da criança que desapareceu em 1924 ou da senhora que saiu gritando do porão e nunca mais falou.
Mas a curiosidade tem uma força própria. Ela cresce em silêncio, se alimenta da dúvida e floresce nas mentes inquietas. E foi assim com Hélvia, uma jovem estudante de antropologia que voltou à vila para cuidar da avó. Ao descobrir a história da casa, não resistiu. Achava encantadoramente absurdo que, em pleno século XXI, uma vila inteira ainda tivesse medo de uma porta.
Hélvia decidiu investigar. Anotou relatos, fez entrevistas, leu jornais antigos. Cada resposta vaga parecia empurrá-la mais perto da decisão que todos evitavam. Até que, numa tarde nublada, armada com uma lanterna e a chave antiga que encontrou num armário escondido, ela entrou na casa e desceu ao porão.
A porta rangeu como se estivesse viva. Um cheiro doce e enjoativo escapou por uma fresta. Quando ela a empurrou completamente, encontrou um corredor que não fazia sentido, longo demais para caber naquela casa. As paredes pareciam pulsar. Hélvia deu um passo à frente só um e a porta se fechou atrás dela com um estrondo seco.
Ela nunca mais foi vista. Nem mesmo seus passos ecoaram de volta.
Depois disso, a vila, em luto silencioso, voltou a selar a porta. Um novo aviso foi pendurado, desta vez escrito à mão, com tinta fresca:
“Curiosidade é irmã do arrependimento. Pense bem antes de cruzar.”
Porque quando a curiosidade vence o bom senso, abrimos portas que talvez nunca possamos fechar novamente.